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Alocução dos organizadores de “Walter Sidney Pereira Leser. Das análises
clínicas à medicina preventiva e à saúde pública”, na Faculdade de Saúde
Pública da USP, em 21 de dezembro de 2009.
Senhoras e senhores,
É com jubilo que nos reunimos para lembrar, mais uma vez, ainda que de modo não
suficiente, a apreciável contribuição de Walter Leser às ciências da saúde, no ano de seu
centenário de nascimento. Em 2004, o Instituto Fleury (que apoiou agora decisivamente
esta edição) e o Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo,
prestaram-lhe significante homenagem póstuma, mas o tempo, que pode fugir de modo
irrecuperável, foi enfrentado pelos organizadores e colaboradores desta obra para que o
legado deste mestre fosse analisado pela geração dele que se finda, e pelas três gerações
subsequentes, que poderão examinar seus métodos de transformar a realidade sanitária
do país.
Durante quase 60 anos, de 1933 até o início dos anos 1990, o professor Leser explorou
muitas veredas especialmente nos campos da Educação e da Saúde, que causaram
surpresa pela atualidade de suas idéias, muitas não aplicadas in totum, por exemplo, os
critérios de admissão às Escolas Superiores e os requerimentos para se exercer uma
profissão de saúde. Muito existe para se analisar quanto ao seu pioneirismo, junto de
seus colegas de atividades e de seus discípulos, a saber, no ensino da estatística aplicada
à pesquisa de saúde e à pesquisa social, ou no aprendizado da Medicina Preventiva, a
relação entre a assistência à pessoa e seu entorno social, a dimensão entre a saúde
individual e a coletiva; ou sua preocupação quanto a catástrofe ambiente do planeta,
expressa no início dos anos 1970, no artigo Espaçonave terra, constante desta obra; ou
ainda a Reforma Leser da Saúde e suas consequências. Todos estes temas são fontes de
inquietação da sociedade paulista e brasileira, e do mundo.
A herança de um mestre, cremos, não deve ser exaltada apenas por sua proficiência e
virtude – e Leser as possuía de forma completa – mas ser escrutinada por métodos
historiográficos – que não é objeto deste livro em homenagem à sua memória –
conforme propõem Gabriel Scally e Justine Womack1, pesquisadores ingleses em “A
importância do passado na saúde pública”, artigo de 2004, do Journal of Epidemiology
and Community Health.
Com epígrafe de Harry S. Truman (1884-1972), presidente dos Estados Unidos, de 1945
a 1953 – “a única coisa nova no mundo é a história que você não conhece” – os autores
assinalam:
Os que atuam na saúde pública negligenciam a história da saúde pública.
Uma melhor compreensão da história de seus temas poderia melhorar a prática
dos profissionais de saúde pública.
Educadores e editores de revistas científicas deveriam incluir mais conteúdo
históricos em cursos e nas revistas.
A revisão de currículos é necessária na graduação e na pós-graduação.
A história contemporânea da saúde pública deve ser apreendida de modo a
facultar o estudo futuro.
1
Mas, não só no Exterior há excelentes trabalhos como esse. Nesta perspectiva, a de um
panorama da saúde pública, sem destaque para doenças ou instituições, e sem demérito
para dezenas de pesquisadores do país, permitam-nos citar um trabalho do professor
Everardo Duarte Nunes2, da Universidade Estadual de Campinas, “Sobre a história da
saúde pública: idéias e autores”, de 2000, em Ciência & Saúde Coletiva, que se debruça
sobre o período da República Velha (1889-1930).
Feito este registro, com o qual o professor Leser concordaria em razão de seu rigor
quanto a métodos para orientar uma ação transformadora, gostaríamos de que o legado
dele fosse percebido por uma ângulo que deveria estar necessariamente adstrito ao
enfoque universitário.
Referimo-nos à dimensão da justiça, segundo a compreensão do magnífico escritor José
Saramago3, na conferência “Este mundo da injustiça globalizada”, no Fórum Social
Mundial de 2002:
Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com
flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe
vendassem os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da
espada que sempre corta mais para um lado que para o outro, mas
uma justiça pedestre, uma justiça companheira quotidiana dos
homens, uma justiça para quem o justo seria o mais exacto e
rigoroso sinónimo do ético, uma justiça que chegasse a ser tão
indispensável à felicidade do espírito como indispensável à vida é
o alimento do corpo. Uma justiça exercida pelos tribunais, sem
dúvida, sempre que a isso os determinasse a lei, mas também, e
sobretudo, uma justiça que fosse a emanação espontânea da
própria sociedade em ação, uma justiça em que se manifestasse,
como um iniludível imperativo moral, o respeito pelo direito a ser
que a cada ser humano assiste.
Os organizadores e colaboradores deste livro comungam que Walter Sidney Pereira
Leser deu a sua contribuição para que se alcançasse essa verdadeira justiça.
Façamos todos a nossa parte.
José Ruben de Alcântara Bonfim
Silvia Bastos
Referências
1. Scally G ; Womack J. The importance of the past in public health. Epidemiol
Community Health 2004;58:751–755.
Disponível em: http://jech.bmj.com/content/58/9/751.full.pdf
2. Nunes ED. Sobre a história da saúde pública: idéias e autores. Ciência & Saúde
Coletiva, 5 (2):251-264, 2000.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v5n2/7095.pdf
3.Saramago J. Este mundo da injustiça globalizada. Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ph000302.pdf
2